Romper com a ingerência<br>e o controlo
O Parlamento concluiu, dia 27, o debate sobre o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas da autoria do Governo, que merecem a rejeição do PCP.
As imposições da União Europeia são contrárias aos interesses de Portugal
Dois dias depois a AR humbava o projecto de resolução do CDS que visava a rejeição daqueles dois documentos. A iniciativa centrista de levar a sufrágio a recusa do Programa de Estabilidade, em substituição da recomendação inicial que constava no texto para que fosse o Governo a levar os documentos a votos – «alteração que o líder parlamentar comunista João Oliveira classificou de «habilidade de última hora» –, contou com o voto favorável do PSD, a abstenção do PAN, e os votos contra do PS, PCP, PEV e BE.
Desde a sua apresentação que se tornou claro que o intuito do diploma do CDS era associar à suposta rejeição do Programa de Estabilidade a recuperação das principais medidas de cortes que marcaram a acção do governo de que foi co-responsável. Medidas essas que atingiram violentamente os direitos e as condições de vida dos portugueses, pelo que só poderiam merecer, «como sempre mereceram, o firme combate e o voto contra do PCP» (ver caixa).
Isso mesmo foi sublinhado faz hoje uma semana pelo líder parlamentar do PCP, João Oliveira, na véspera da votação, em declaração aos jornalistas onde deixou claro os fundamentos que presidiram ao sentido de voto da sua bancada. Já anteriormente, pronunciando-se sobre a iniciativa do CDS logo que foi anunciada, Jerónimo de Sousa disse tratar-se de uma «visão instrumental, a roçar a chicana política».
Afirmar a soberania
Com o mesmo à-vontade e coerência com que assume a posição de rejeição e repúdio por qualquer medida que implique retrocesso, como pretendem CDS e PSD – razão pela qual, aliás, não hesitou em votar contra o diploma centrista –, a bancada comunista afirmou as suas severas posições críticas quanto aos «mecanismos de ingerência e de controlo por parte da União Europeia sobre decisões que devem ser soberanas do Estado».
Ingerência e controlo – de que o Programa de Estabilidade e o Programa Nacional de Reformas são dois instrumentos – cujo objecto é condicionar as nossas opções soberanas e impor a política de exploração e de empobrecimento que, nos últimos anos, como salientou no debate em plenário o deputado comunista Paulo Sá, «resultou no agravamento da crise, no desemprego, nos baixos salários e na precariedade, na emigração em massa e no alastramento da pobreza».
E na queda do investimento público – depois de quatro anos de governo PSD/CDS caiu em 2015, a preços correntes, para um nível inferior ao de 1996 –, com as consequências daí decorrentes ao nível da «degradação das infra-estruturas e do equipamento produtivo», como constatou o deputado comunista Bruno Dias.
Por isso o PCP reafirmou de forma contundente a necessidade de romper com os constrangimentos e os condicionalismos associados ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, à União Económica e Monetária e ao Tratado Orçamental, assim como à dívida pública e ao domínio monopolista sobre a economia. Porque, como foi dito, são um «sério obstáculo à política necessária para assegurar o desenvolvimento soberano do nosso País».
Daí ter sido igualmente reiterado, pela voz de João Oliveira, que a «contradição entre as imposições da União Europeia e a defesa dos interesses do País e do povo deve ser superada a favor do País e do povo», rompendo com as referidas limitações que nos são impostas.
Posição coerente
Levado ao debate pelos deputados comunistas foi também um elenco de soluções e opções políticas que na sua perspectiva correspondem a um rumo de desenvolvimento soberano do País. Elementos que estruturam aquela que tem sido a posição coerente do PCP nos debates realizados ao longo dos anos sobre estas matérias.
E aos que tentam explorar as naturais e assumidas diferenças entre as forças que compõem a nova correlação de forças na AR, perscrutando contradições insanáveis, João Oliveira fez questão de esclarecer que o facto de o Governo fazer as opções que faz no Programa de Estabilidade e no Programa Nacional de Reformas só a ele o responsabiliza «mas não põe em causa a coerência do PCP quanto à apreciação que continua a fazer não só quanto ao significado daqueles instrumentos como também quanto às imposições da UE ou quanto às opções relativamente a estas questões».
Valorização do trabalho
A defesa intransigente da valorização das condições de vida e de trabalho foi reiterada no debate pela deputada comunista Rita Rato, que considerou ser esse um «eixo central» para a construção de um «País mais justo e desenvolvido».
«É muito importante a reposição e devolução de tudo o que foi retirado, mas importa avançar e ir mais longe na garantia de direitos para todos os trabalhadores», sublinhou a deputada do PCP, defendendo que importa dar um combate decisivo à precariedade, aumentar pensões e salários, revogar normas gravosas do Código do Trabalho, descongelar carreiras, caminhar para as 35 horas para todos.
Rita Rato interpelava o ministro Pedro Marques, que, na resposta, corroborou da importância da «valorização do trabalho no sector privado mas também na administração pública». E sobre este último, disse que «racionalização do Estado não é menos Estado, é melhor Estado» e que isso passa também por «condições dignas de trabalho para os trabalhadores da administração pública», e, desde logo, pelo «combate à precariedade», também no privado, pela «valorização da contratação colectiva», por «relações laborais dignas que valorizem o trabalho».
Manobra do CDS desmascarada
A reter do debate fica ainda essa outra dimensão protagonizada por PSD e CDS que foi aproveitar a discussão daqueles dois programas para trazerem uma vez mais o regresso da política do anterior governo, o regresso da política dos cortes dos direitos e rendimentos, do atraso e do declínio nacional.
«O PSD de forma mais disfarçada e o CDS de forma mais descarada», observou João Oliveira, vendo na postura de ambos o propósito de quem tudo faz para que se «ande para trás e se volte à política dos últimos quatro anos».
O que verdadeiramente pretendem, disse, é socorrer-se da União Europeia e das suas manobras (como é a de utilizar a partir de instituições europeias ou de estruturas nacionais previsões, opções e orientações do Programa de Estabilidade e do Plano Nacional de Reformas como pretexto para novas operações de chantagem e pressão sobre o País) como um «cavalo de Tróia que lhes permita o regresso ao poder para continuarem a executar a política que Bruxelas manda, contra os interesses dos trabalhadores, do povo e do País».
É a essa luz, aliás, que deve ser enquadrado projecto de resolução do CDS, segundo a declaração de voto apresentada pela bancada comunista, que não deixa escapar o facto de aquele partido ter uma «postura de abdicação nacional e de subserviência perante imposições externas».
Mais, lê-se na declaração de voto do PCP, o «CDS não só mantém a sua firme defesa da política dos cortes executada pelo governo PSD/CDS como ainda vem propor que esses cortes – que designa de reformas estruturais – sejam retomados e intensificados».
É isso que está escrito preto no branco no projecto de resolução do CDS, designadamente quando nele se propõe que seja assumido «o compromisso de não reverter as reformas estruturais adoptadas nos últimos quatro anos (...) que, nessa medida, devem ser mantidas e intensificadas».
O Grupo comunista anota ainda que o CDS «continua a recusar o apoio às medidas de reposição de direitos e rendimentos e critica mesmo a sua aprovação, manifestando um absoluto desprezo com o bem-estar do povo e o desenvolvimento do País».
E por isso conclui que a iniciativa do partido de Assunção Cristas não passou de uma «manobra sem qualquer seriedade para, de forma dissimulada, branquear as suas próprias responsabilidades na grave situação nacional e retomar e intensificar a política de cortes, de exploração e empobrecimento».
Foi, pois, contra o regresso dessa política de exploração e empobrecimento que o PCP votou, insistiu no debate João Oliveira, sustentando que o País precisa é de romper com esse caminho, «romper com essas limitações da UE e trilhar um caminho com uma política patriótica e de esquerda que efectivamente assegure um rumo de desenvolvimento soberano de que o País e os portugueses precisam».